Se por estes dias escrevêssemos o obituário da democracia portuguesa andaria próximo de um exercício de um assassínio póstumo de reputação. Então, os legítimos democratas sairiam maltratados, os que por ele se revestem de peles de cordeiro de um regime que os acoita, sairiam mal vistos, os que aprenderam na pele e na prática que a Democracia é o último reduto da celebração humana, ficariam arredados do epitáfio. E todos os que deram a vida, a saúde, a alma para que nós pudéssemos ser mais do que eles sem os carniceiros e censores e o homem das botas de elástico, nem seriam referidos, nesse obituário hipotético.
A Democracia ainda não morreu mas está nas mãos de gente em que não se pode confiar. E o meu destino, provavelmente o destino de mais um ou dois que leem isto está preso numa gaiola ferrugenta empunhada por ignorantes que detestam lutar pelas coisas que mais gostam.
Estou nas mãos de uma classe política que não sabe bem o que fazer, mas pior ainda, estou nas mãos sujas de quase 70 por cento de criaturas que acham não ter nada a ver com o caso, e que vão à praia, ao cinema, à sanita passar o tempo sempre que é preciso votar ou lutar por alguns (dos seus) direitos. São 70 por cento que exigem. Liberdades – de falar e de criticar, não de agir , de mudar ou de fazer -, subsídios, pensões, regalias, apoios, fundos europeus ou do fundo da rua que lhes permita a bica, a novela, a alpergata, a toalha na praia, a sandocha e a jola e o culto sacrossanto dos festivais e da bola. São 70 por cento contra os outros. Que vivem do que não são e são o que não vivem. Que não percebem nada do que veem e até ao espelho não se reconhecem. São os habitantes dos hábitos, os que dizem frases colossais como “só neste país”, “isto está bom é para alguns”, “os políticos são todos iguais”, “são todos corruptos (até me ´tocar algum’)”.
Felizmente já não falam muito porque optaram por não ter voz.
Alexandre Honrado
Historiador
Pode ler (aqui) todos os artigos de Alexandre Honrado.